23 de abril de 2014

A Essência Cigana

(texto publicado no suplemento jornalístico Insert - produto integrante do Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo sobre Grupos Sociais no Centro Universitário FIEO em dezembro de 2012)

Bandeira instituída como símbolo internacional dos ciganos em 1971

Um conto espanhol falava da história de Paco e Maricarmen, ciganos que se conheceram dançando flamenco. A história de amor, que acabou virando um triângulo amoroso com final a la Faroeste Caboclo, não me atraiu. O que chamou a atenção foi descobrir que os ciganos tinham um idioma próprio e que não tinham documentação. Como alguém poderia viver sem documentos num século em que os números do RG e do CPF são, muitas vezes, mais importantes que o próprio nome? Foi então que surgiu a ideia de fazer um trabalho sobre os nômades que se vestiam com roupas de um colorido exuberante - era isso o que eu, Elisa e Fabrício sabíamos sobre eles antes de começarmos o TCC.  

Em Itapevi, onde o trabalho de campo foi mais intenso, a primeira visita aconteceu sem contato prévio. Ao chegarmos fomos recebidos por Daniele. Mesmo sem entrarmos, pudemos ver ao longe a organização padrão das três barracas que havia ali: as louças de alumínio expostas logo na entrada; ao lado, o fogão e outros aparelhos eletrodomésticos; ao fundo a cama arrumada, coberta por uma colcha colorida e brilhosa. A lona fazia as vezes das paredes e do telhado; o chão, terra batida. 

Com um sorriso iluminado de receptividade e (literalmente) ouro, Daniele pediu que falássemos com Soninha, que morava na rua paralela. Ali havia oito ou nove barracas e uma pequena quadra esportiva feita pelos próprios ciganos. A barraca de Soninha, uma comunicativa jovem de 25 anos, era feita de alvenaria, tinha piso e telhas; apenas a entrada não tinha uma parede, mas uma lona no lugar. Tapetes no chão, TV, computador, água encanada, um santuário com imagens de Santa Sara (padroeira dos ciganos) e santos católicos. Mesmo com o armário na cozinha, as louças de alumínio, assim como na barraca de Daniele, também ficavam expostas. Cortinas e tecidos azuis, cor-de-rosa e vermelhos separavam os ambientes da barraca e cobriam o sofá, as camas e o santuário.

Logo na primeira conversa com Soninha os estereótipos que conhecíamos foram quebrados - os ciganos, mesmo com suas peculiaridades, são pessoas como quaisquer outras: trabalham, festejam, choram, têm suas dificuldades, suas necessidades e seus anseios. Alguns moram em barracas, outros, em casas; alguns são ricos, outros, pobres. Alguns são analfabetos, outros têm ensino superior. Há ciganos que trabalham com comércio ambulante e outros que são professores universitários. Existem aqueles que batem no peito e dizem com orgulho quem são, mas também há os que não fazem questão de dizê-lo.
Saber onde está a essência dos roma* foi uma das primeiras perguntas que nos fizemos. Seria na roupa, nas tradições, na dança? Compreendemos, afinal, que ela está além do que os olhos podem ver - a essência dos ciganos está em, simplesmente, serem ciganos. 

*roma = ciganos. O nome roma substitui o termo cigano, que foi criado na Europa no século XV por não-ciganos e hoje é considerado pejorativo na Europa e Estados Unidos. 

10 de abril de 2014

Viva la Emoción!

(Artigo opinativo publicado em Dezembro de 2013 no Jornal Diário da Região)

Numa época em que a preocupação em fazer o bem ascende, marketing e publicidade pegam carona na onda sentimentalista para conquistar consumidores e impulsionar vendas. Aos poucos as propagandas criativas e bem-humoradas perdem espaço para aquelas que apelam para o poder emocional: cativar para vender e sensibilizar para aumentar a visibilidade da marca é estratégia crescente. Mostrar os verdadeiros atributos de um produto ficou em segundo plano.

Cenas reais de gestos de bondade, como a de um bombeiro dando oxigênio a um filhote de gato resgatado de um incêndio, têm sido utilizadas com frequência em comerciais na TV. A filmagem em questão foi aproveitada pela fabricante da câmera e já tem mais de 19 milhões de visualizações no YouTube. O gato, que sofreu sérios danos nos pulmões devido à fumaça, não resistiu e morreu horas mais tarde – mas o consumidor não precisa saber disso. Num outro comercial o narrador nos aconselha a aproveitarmos mais a vida e a não nos importarmos tanto com o dinheiro – a campanha é de uma instituição bancária. Uma fabricante de refrigerantes incentiva a prática de esportes; uma empresa de cosméticos para que pele e cabelo fiquem mais bonitos nos diz que a beleza vem de dentro. Cativante e um tanto quanto dicotômica, é dessa forma que funciona a publicidade emotiva – uma das mais rentáveis do ramo.

Uma análise superficial e ingênua poderia nos levar a acreditar que surge no meio publicitário uma revolução silenciosa contra o consumismo, que o “ser” volta a predominar sobre o “ter”. Ilusão. Estimulado pelo economista americano Victor Lebow, o consumismo exacerbado prevalece, disfarçado agora sob máscaras de ternura, vida saudável e sustentabilidade. Em seu artigo, publicado em 1955, Lebow dizia: “Nossa economia altamente produtiva exige que façamos do consumo nosso meio de vida, que convertamos a compra e o uso desses bens em rituais, que busquemos nossa satisfação espiritual e a satisfação do nosso ego no consumo”. Conselho seguido até nos darmos conta de que não precisamos, como afirmou Lebow, “ter coisas consumidas, queimadas, substituídas e descartadas de modo e modo mais acelerado”. Temos consciência de que não precisamos expressar nossa individualidade através das roupas que vestimos ou dos sapatos que usamos. Não precisamos, mas queremos. Tentamos – nem tanto assim – abandonar o vício de comprar, mas ele está impregnado, pois, de acordo com a observação de Lebow, “uma campanha publicitária específica e promocional, para um determinado produto, num determinado momento, não tem garantia automática de sucesso, no entanto, pode contribuir para uma pressão geral na qual desejos são estimulados e mantidos”.

Não reclamamos do capitalismo porque somos esquerdistas ou comunistas, reclamamos do capitalismo porque o carro do vizinho é melhor que o nosso. Quantos “discípulos” de Che e Fidel deixariam seus confortáveis lares para viver num país onde a comida é racionada e o acesso à internet é controlado? Por mais verdadeiras que sejam nossas intenções de não nos capitularmos às tentações materialistas, a tarefa é árdua e não acontecerá de forma tão acelerada quanto o processo incentivado por Lebow.  E ainda que as novas campanhas publicitárias estimulem boas ações, o principal objetivo é um só: vender.