(texto publicado no suplemento jornalístico Insert - produto integrante do Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo sobre Grupos Sociais no Centro Universitário FIEO em dezembro de 2012)
Bandeira instituída como símbolo internacional dos ciganos em 1971 |
Um conto espanhol falava da história de Paco e Maricarmen, ciganos que se conheceram dançando flamenco. A história de amor, que acabou virando um triângulo amoroso com final a la Faroeste Caboclo, não me atraiu. O que chamou a atenção foi descobrir que os ciganos tinham um idioma próprio e que não tinham documentação. Como alguém poderia viver sem documentos num século em que os números do RG e do CPF são, muitas vezes, mais importantes que o próprio nome? Foi então que surgiu a ideia de fazer um trabalho sobre os nômades que se vestiam com roupas de um colorido exuberante - era isso o que eu, Elisa e Fabrício sabíamos sobre eles antes de começarmos o TCC.
Em Itapevi, onde o trabalho de campo foi mais intenso, a primeira visita aconteceu sem contato prévio. Ao chegarmos fomos recebidos por Daniele. Mesmo sem entrarmos, pudemos ver ao longe a organização padrão das três barracas que havia ali: as louças de alumínio expostas logo na entrada; ao lado, o fogão e outros aparelhos eletrodomésticos; ao fundo a cama arrumada, coberta por uma colcha colorida e brilhosa. A lona fazia as vezes das paredes e do telhado; o chão, terra batida.
Com um sorriso iluminado de receptividade e (literalmente) ouro, Daniele pediu que falássemos com Soninha, que morava na rua paralela. Ali havia oito ou nove barracas e uma pequena quadra esportiva feita pelos próprios ciganos. A barraca de Soninha, uma comunicativa jovem de 25 anos, era feita de alvenaria, tinha piso e telhas; apenas a entrada não tinha uma parede, mas uma lona no lugar. Tapetes no chão, TV, computador, água encanada, um santuário com imagens de Santa Sara (padroeira dos ciganos) e santos católicos. Mesmo com o armário na cozinha, as louças de alumínio, assim como na barraca de Daniele, também ficavam expostas. Cortinas e tecidos azuis, cor-de-rosa e vermelhos separavam os ambientes da barraca e cobriam o sofá, as camas e o santuário.
Logo na primeira conversa com Soninha os estereótipos que conhecíamos foram quebrados - os ciganos, mesmo com suas peculiaridades, são pessoas como quaisquer outras: trabalham, festejam, choram, têm suas dificuldades, suas necessidades e seus anseios. Alguns moram em barracas, outros, em casas; alguns são ricos, outros, pobres. Alguns são analfabetos, outros têm ensino superior. Há ciganos que trabalham com comércio ambulante e outros que são professores universitários. Existem aqueles que batem no peito e dizem com orgulho quem são, mas também há os que não fazem questão de dizê-lo.
Saber onde está a essência dos roma* foi uma das primeiras perguntas que nos fizemos. Seria na roupa, nas tradições, na dança? Compreendemos, afinal, que ela está além do que os olhos podem ver - a essência dos ciganos está em, simplesmente, serem ciganos.
*roma = ciganos. O nome roma substitui o termo cigano, que foi criado na Europa no século XV por não-ciganos e hoje é considerado pejorativo na Europa e Estados Unidos.